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Afinal, onde está a felicidade?

  • Foto do escritor: Rafael Promenzio
    Rafael Promenzio
  • 6 de fev.
  • 5 min de leitura

Já imaginou viver em um mundo onde tudo o que te dá prazer está disponível instantaneamente? Comida saborosa chega até você com poucos toques na tela, pornografia está a um clique de distância, redes sociais entregam uma dose interminável de novidades e um catálogo infinito de filmes e séries está sempre disponível.


Parece o cenário perfeito para uma vida cheia de satisfação, certo?


Mas então, por que tanta gente se sente insatisfeita, apática e até mesmo infeliz? O que antes trazia prazer agora parece monótono. Aquela série que antes empolgava já não prende tanto a atenção. O doce preferido já não tem o mesmo gosto especial. O catálogo enorme de filmes e jogos parece cada vez mais sem graça. Isso acontece porque não evoluímos para lidarmos com um excesso constante de recompensas imediatas — e, quando tudo está sempre ao alcance, nada parece realmente satisfatório.



Nossa sociedade exalta o prazer imediato. Somos incentivados a buscar conforto, rapidez e gratificação instantânea em tudo o que fazemos. A felicidade é muitas vezes confundida com a ausência de desconforto, e o mercado responde a isso com soluções cada vez mais acessíveis para qualquer desejo momentâneo.


O grande problema, no entanto, é que o nosso cérebro não foi projetado para viver em um estado constante de prazer. Ao contrário do que muitos pensam, a felicidade não vem apenas de viver em uma constante onda de satisfação. E a razão disso é que o nosso cérebro possui um mecanismo de adaptação, chamado adaptação hedônica. Esse processo explica por que, depois de um tempo, aquele prazer intenso de uma nova aquisição ou experiência desaparece, dando lugar à busca por algo ainda maior e mais intenso.


A adaptação hedônica é um processo no qual o circuito de recompensa cerebral se ajusta aos estímulos prazerosos e exige cada vez mais para sentirmos o mesmo efeito, ou seja, nunca ficamos satisfeitos por muito tempo. Então, você conseguiu uma bicicleta? Ótimo, mas agora, cadê o seu carro? O carro já está ficando ultrapassado? Que tal um modelo do ano? Conseguiu o do ano? Perfeito, agora quem sabe um jatinho particular…



Esse ciclo é regido principalmente pela dopamina, neurotransmissor que não gera prazer em si, mas nos impulsiona a buscar estímulos prazerosos. Quando antecipamos algo que desejamos — um lanche, uma compra, uma notificação no celular — nosso cérebro libera dopamina, ativando regiões como o núcleo accumbens, a área tegmental ventral e o córtex pré-frontal, que estão ligadas à motivação, recompensa e tomada de decisões. O problema? Esse sistema não foi projetado para garantir que aquilo que buscamos realmente nos fará sentir prazer. Ele apenas nos move na direção do estímulo, sem garantir que a recompensa será satisfatória.


É por isso que muitas vezes corremos atrás de prazeres que, na realidade, nem nos trazem tanta satisfação assim. Você já pegou o celular para ver uma notificação, sentiu aquela pequena dose de expectativa, e depois ficou rolando o feed sem nem perceber, apenas esperando a próxima "recompensa"? Esse é um exemplo clássico de como o nosso cérebro pode nos enganar. O sistema de busca de recompensa nos faz abrir o aplicativo esperando uma sensação boa, mas, na realidade, não encontramos nada e apenas desperdiçamos nosso tempo.


Com o tempo, essa busca insaciável por novos prazeres pode levar à insatisfação crônica, à falta de prazer nas atividades cotidianas e até à dificuldade em encontrar significado nas coisas simples da vida. Afinal, quando você está o tempo inteiro sendo bombardeado por uma "bomba" de estímulos, como pode uma atividade "simples" — como assistir ao pôr do sol, dar uma caminhada ou ter uma conversa profunda com quem você ama — competir no nível de prazer que a vida moderna proporciona?


Diante de todo esse cenário de prazeres imediatos e gratificação instantânea, é natural que nos perguntemos: O que realmente é felicidade? E mais importante, onde podemos encontrá-la, se tudo parece tão efêmero e passageiro?


A busca incessante pela felicidade é um fenômeno relativamente recente. Em sociedades antigas, a vida era guiada por obrigações, tradições e pela necessidade de sobrevivência. A ideia de que a felicidade deve ser um objetivo central da existência surge com a modernidade e se intensifica com o avanço do individualismo e da cultura de consumo, ou seja, aprendemos que felicidade é algo valoroso que devemos buscar.


Mas será que uma vida plena significa apenas evitar o sofrimento e maximizar o prazer? A ciência aponta para outra direção. Existe uma outra forma de felicidade, menos óbvia e mais duradoura: a eudaimonia. Diferente do hedonismo, que busca o prazer imediato e a redução do desconforto, a eudaimonia está relacionada ao crescimento pessoal, à realização e ao engajamento em atividades que trazem um senso de propósito, mesmo que envolvam esforço, desafios e sofrimento.


Momentos de sacrifício e esforço muitas vezes são desconfortáveis no presente, mas são essenciais para conquistas significativas no futuro. Um estudante que passa meses se dedicando para uma prova importante, um atleta que treina intensamente para uma competição ou um profissional que investe anos em um projeto desafiador podem enfrentar dificuldades no processo, mas a satisfação obtida ao alcançar o objetivo transcende qualquer prazer imediato. A sensação de dever cumprido, de superação e de crescimento gera um bem-estar profundo, diferente do prazer efêmero proporcionado por uma gratificação instantânea.


Para ilustrar essa diferença, imagine alguém que deseja correr uma maratona. Se essa pessoa seguir apenas o caminho do hedonismo, optará por evitar o desconforto dos treinos, buscará atalhos e desistirá assim que a fadiga surgir. No entanto, se adotar uma mentalidade eudaimônica, entenderá que a jornada inclui dor, disciplina e frustração, mas que o sentimento de realização ao cruzar a linha de chegada será infinitamente mais recompensador do que qualquer prazer passageiro.


Então, como encontrar essa felicidade? Como equilibrar os prazeres imediatos com a busca por algo mais profundo? A chave está em aprender a integrar esses dois aspectos: desfrutar das pequenas alegrias da vida, mas também se dedicar a uma busca mais significativa, que envolva esforço, crescimento e realização.


Mas se a felicidade é uma coisa tão diversa e não tem uma definição objetiva, o que a ciência nos diz sobre ela? Embora não haja uma resposta única, diversos estudos apontam que a felicidade está fortemente associada a alguns pilares fundamentais, como conexões interpessoais, senso de propósito (qualquer um que sirva para você), sensação de pertencimento (seja de uma comunidade, religião ou grupo de amigos!) e autonomia (sentir que você tem algum tipo de controle sobre sua vida).


Portanto, a verdadeira satisfação não está em excluir o sofrimento ou em buscar o prazer sem limites, mas em equilibrar hedonismo e eudaimonia. O prazer imediato tem seu valor — momentos de descanso, lazer e pequenos prazeres fazem parte de uma vida saudável. No entanto, uma existência baseada apenas nisso pode resultar em um vazio constante, pois a adaptação hedônica nos impede de nos sentirmos saciados por muito tempo. Por outro lado, uma vida exclusivamente pautada na busca por propósito e realização, ignorando o descanso e a diversão, pode levar à exaustão. O segredo está em encontrar o ponto de equilíbrio: desfrutar dos prazeres da vida sem fugir dos desafios necessários para alcançar aquilo que realmente importa. Afinal, viver bem não significa evitar o desconforto a todo custo, mas sim aprender a usá-lo como ferramenta para uma vida mais significativa.


Eu sendo feliz!
Eu sendo feliz!

Referências:

Berridge, K. C., & Kringelbach, M. L. (2015). Pleasure systems in the brain. Neuron, 86(3), 646-664.


Huta, V., & Ryan, R. M. (2010). Pursuing pleasure or virtue: The differential and overlapping well-being benefits of hedonic and eudaimonic motives. Journal of Happiness Studies, 11(6), 735-762.


McMahon, D. M. (2006). Happiness: A history. Atlantic Monthly Press.



 
 
 

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Lilian
Feb 06
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Texto muito interessante!

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